O lítio tem sido alvo de uma corrida global nos últimos anos entre países como Chile, Argentina, Austrália e China, que lideram a produção do mineral. Isso devido à crescente demanda na fabricação de baterias de íon-lítio que alimentam dispositivos eletrônicos, carros elétricos e sistemas de armazenamento de energia renovável.
O Brasil tem um grande potencial para a exploração do lítio, especialmente no Vale do Jequitinhonha, em Minas Gerais, onde se encontram as maiores reservas do país. Na última semana, o Instituto Brasileiro de Mineração (IBRAM), o governo de Minas Gerais e o Ministério de Minas e Energia (MME) criaram a iniciativa “Vale do Lítio”, para atrair investimentos internacionais na criação de um polo de exploração e industrialização do mineral na região. A região despertou o interesse de duas mineradoras listadas na Nasdaq (National Association of Securities Dealers Automated Quotations), a segunda maior bolsa de valores do mundo. Essas mineradoras são a Sigma Lithium (NASDAQ: SGML) e Atlas Lithium (NASDAQ: ATLX). Além disso, outras empresas também estão desenvolvendo projetos na região como é o caso da Lithium Ionic (TSX: LTH), listada na bolsa de valores de Toronto, a Latin Resources (ASX: LRS), listada na bolsa de valores Australiana e a Companhia Brasileira de Lítio (CBL). O objetivo é transformar a região em uma das principais produtoras de lítio do mundo.
PANORAMA DO LÍTIO NO BRASIL
No território brasileiro, os pegmatitos são a principal fonte de lítio, encontrado na estrutura cristalina de alguns minerais. A partir desses minerais, o lítio é concentrado em forma de hidróxido de lítio e carbonato de lítio. O carbonato de lítio é principalmente utilizado na produção de alumínio e na indústria vidreira. Já o hidróxido de lítio é usado na produção de baterias de íon-lítio e graxas lubrificantes.
Segundo dados do relatório do Sumário de Commodities Minerais do Serviço Geológico dos Estados Unidos (United States Geological Survey — USGS) de 2023, o Brasil é responsável por 1.7% da produção mundial de lítio e aproximadamente 1% das reservas mundiais. As reservas brasileiras estão concentradas principalmente em Minas Gerais (no Vale do Jequitinhonha), Ceará, Rio Grande do Norte, Paraíba, Tocantins, Goiás e Bahia.
Uma das maiores minas de lítio em atividade no Brasil é da Companhia Brasileira de Lítio (CBL), que opera sua mina subterrânea, chamada Mina da Cachoeira, localizada em Araçuaí — Minas Gerais. No local é extraído o Pegmatito Litinífero, que é beneficiado até se tornar o concentrado de espodumênio. A extração do minério é realizada através do método sublevel stopping. Atualmente, as galerias da Mina da Cachoeira atingem até 180 m de profundidade e até 5 km de extensão. A lavra é realizada em recuo, ou seja, das extremidades do corpo para o centro do nível, onde é posicionado o cross-cut de ligação entre a galeria e a rampa. A capacidade de produção é de 30 mil toneladas por ano e a planta química se localiza no município de Divisa Alegre, a cerca de 180 km de distância da Mina da Cachoeira.
Até 2022, somente duas empresas produziam lítio no Brasil: a Companhia Brasileira de Lítio (CBL) e a AMG Brasil. No entanto, em 2023, o Brasil entrou de vez no mercado de lítio para baterias, com destaque para a Sigma Lithium que iniciou a produção na mina Grota do Cirilo, no Vale do Jequitinhonha (MG). A companhia espera produzir 270 mil toneladas por ano de lítio para baterias e aumentar para 768 mil toneladas no segundo ano do projeto.
As regiões destacadas no mapa encontram-se no local que recentemente começou a ser reconhecido como “Vale do Lítio”, caracterizado pela presença das maiores concentrações de lítio no Brasil. Esse fato atraiu o interesse de várias empresas, tanto nacionais quanto multinacionais, que estão investindo significativamente na exploração mineral e pesquisa em busca de jazidas. Algumas empresas que estão prospectando na região são a Companhia Brasileira de Lítio (CBL), Sigma Lithium, Latin Resources, Atlas Lithium e Lithium Ionic. Com a descoberta de vários depositos, a região agora está inserida na competição global pelo lítio.
O Lítio no norte de Minas Gerais
Os depósitos de lítio do norte e nordeste do estado de Minas Gerais estão associados aos pegmatitos encontrados na Província Pegmatítica Oriental Brasileira, em particular no Distrito Pegmatítico de Araçuaí. O espodumênio é o mineral predominante, apresentando diversas variedades e sendo associado a cinco estágios de cristalização na evolução pegmatítica. O Estágio I, a qual é o principal para fins industriais, é formado em temperaturas mais altas (700 – 350 °C), enquanto os estágios secundários se desenvolvem em temperaturas mais baixas (350 – 50 °C).
Segundo dados da Agência Nacional de Mineração, os municípios de Araçuaí e Itinga, no Vale do Jequitinhonha, possuem 136 processos de requerimentos de autorização de pesquisa e concessão de lavra para o lítio. Essas duas cidades representam aproximadamente 21% de todas as solicitações de pesquisa de lítio registradas no estado de Minas Gerais até abril de 2023.
A presença de grandes investimentos no Vale do Jequitinhonha pode proporcionar diversos benefícios para essa região, que é uma das mais pobres e carentes do país. Por exemplo, a Sigma Lithium planeja investir cerca de R$ 3 bilhões no seu projeto de lítio verde e outras três empresas (Latin Resources, Lithium Ionic, Atlas Lithium) têm previsão de investir cerca de R$ 1,5 bilhão em projetos nas cidades de Salinas, Araçuaí e Itinga.
O mercado de lítio na região tem se mantido aquecido nos últimos meses, especialmente após a aquisição da Neolit Minerals pela Lithium Ionic (TSX: LTH.V). A empresa canadense, listada na bolsa de Toronto, adquiriu 100% da Neolit Minerals em março deste ano. A Neolit Minerals controla 40% do projeto Salinas, em Minas Gerais, e a Lithium Ionic tem o direito de ampliar sua participação para até 85% mediante o cumprimento de determinados compromissos de exploração mineral. Além disso, a Sigma Lithium anunciou no mês passado que concluiu, com sucesso e de forma segura, o comissionamento da Fase 1 de sua Planta Greentech no projeto Grota do Cirilo. Isso permitiu a obtenção da primeira produção de Lítio Verde na região, representando um importante marco para a empresa e para o mercado de lítio no Brasil.
NOVOS PROJETOS DE LÍTIO NO BRASIL
Os requerimentos para autorização de pesquisa para o lítio foram de 35, em 2017, para 417 em novembro de 2022. Segundo o Anuário Mineral Brasileiro, o total de processos para autorização de pesquisa e concessão de lavra no Brasil atingiu 1079 em abril de 2023.
No mapa acima, uma parcela significativa dos processos está localizada no norte de Minas Gerais, sendo este o estado líder na produção de lítio no Brasil. Neste contexto, podemos destacar alguns projetos em desenvolvimento em Minas Gerais, como o da Atlas Lithium que desenvolve e avança seu projeto de lítio em rocha dura, que consiste em 52 direitos minerais espalhados por 227 km², ao redor do município de Araçuaí, em Minas Gerais. Além disso, a companhia detém 100% de um segundo projeto de lítio localizado nos estados da Paraíba e Rio Grande do Norte.
Em 2022, a empresa australiana Latin Resources (ASX: LRS) arrecadou 35 milhões de dólares australianos para investir no projeto Salinas Lithium. Esse projeto, localizado no Norte de Minas Gerais, compreende duas áreas de prospecção: Vale do Bananal, com 1.250 hectares; e Salinas Sul, com 4.088 hectares. Ainda em 2022 uma nova descoberta de lítio foi divulgada no projeto Salinas. Segundo a empresa, os resultados mais recentes da campanha de sondagem diamantada no local confirmaram vários pegmatitos contendo um alto teor de lítio.
Já em 2023, a Lithium Ionic, uma empresa canadense de exploração mineral, firmou um contrato com a Clésio Alves Gonçalves Mineração e Comércio para a compra de direitos minerários de lítio em terras no Vale do Jequitinhonha, em Minas Gerais. A aquisição, que cobre cerca de 1.000 hectares, é considerada estratégica para a Lithium Ionic, que passa a possuir uma área total de 7.700 hectares em terras para sondagem e pesquisa.
Na região central de Minas Gerais, entre os municípios de Nazareno e São Tiago, com mina em Volta Grande, a AMG produz lítio associado ao tântalo, possibilitando a exploração de dois minerais em uma única rocha. Além disso, a empresa tem um contrato de venda antecipada de 200 mil toneladas de concentrado de lítio nos próximos cinco anos. O investimento previsto é de R$ 838,9 milhões.
A Bahia também vem se destacando, pois, a maior produtora chinesa de veículos elétricos, BYD, comunicou que planeja implantar uma unidade de processamento de lítio e fosfato de ferro no estado, a fim de fabricar baterias, com previsão de iniciar a produção em 2024.
Um dos fatores que pode impulsionar a produção de lítio no Brasil é o decreto n°11.120 anunciado pelo governo federal em 5 de julho de 2022, que permite a flexibilização do comércio exterior do mineral. O decreto dispensa a autorização da Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN) para a exportação de lítio, corrigindo uma distorção que vinha da década de 70, quando o mineral era considerado de interesse nuclear. Com essa mudança, o Brasil continuará atraindo diversas empresas estrangeiras para a mineração no país.
PANORAMA MUNDIAL DO LÍTIO
Existem três categorias de depósitos de lítio economicamente viáveis: pegmatitos, salmouras evaporíticas continentais e argilas hectoritas. Os depósitos mais relevantes são as salmouras evaporíticas, contendo as maiores reservas mundiais de lítio, e pegmatitos, caracterizados por diversos minerais de lítio como a lepidolita, ambligonita, petalita e espodumênio, que possuem uma cadeia de beneficiamento bem estabelecida e variada distribuição global.
De acordo com o United States Geological Survey, os países com os maiores recursos de lítio são: Bolívia, com 21 milhões de toneladas, seguida pela Argentina, com 20 milhões e pelo Chile, com 11 milhões, juntos, esses três países formam o triangulo do lítio, além desses três países há também os Estados Unidos com 12 milhões de toneladas.
Em 2022, as operações na Austrália (61000 ton), Chile (39000 ton), China (19000 ton), Argentina (6200 ton) e Brasil (2200 ton) representaram a maior parte da produção mundial de lítio. Além disso, operações menores no Canadá (500 ton), Portugal (600 ton) e Zimbábue (800 ton) também contribuíram para a produção mundial de lítio, como podemos ver na tabela abaixo.
Segundo o relatório do Serviço Geológico dos Estados Unidos (USGS-2023), os recursos de lítio identificados aumentaram substancialmente em todo o mundo e totalizam cerca de 98 milhões de toneladas, sendo que 730 mil toneladas estão localizadas no Brasil.
O mercado global do lítio está em expansão e diversos países investem em pesquisa na busca por novos depósitos. Em março, o Irã anunciou a descoberta de uma reserva que pode tornar o país o quarto maior detentor de reservas de lítio no mundo, se as estimativas iniciais se confirmarem. Localizada em Qahavand, província de Hamadan, a jazida tem potencial de gerar 8,4 milhões de toneladas de lítio, No entanto, o governo ainda não revelou quais serão as primeiras empresas a explorar a região.
O fornecimento de lítio tornou-se uma prioridade para empresas de tecnologia na Ásia, Europa e Estados Unidos. Portanto, alianças estratégicas entre empresas de tecnologia e empresas de mineração estão sendo estabelecidas para garantir uma produção confiável e diversificada de lítio para fornecedores de baterias e fabricantes de veículos.
Triângulo do Lítio
Situado no Altiplano Andino, entre as cadeias montanhosas dos Andes, no leste e oeste, no norte do Chile, Argentina e parte da Bolívia, encontra-se o chamado Triângulo do Lítio, uma área que abriga mais da metade das reservas mundiais de lítio. Os principais depósitos de lítio se encontram no Salar de Uyuni, na Bolívia, no Salar de Atacama, no Chile, e no Salar del Hombre Muerto, na Argentina.
A extração de lítio no triangulo, ocorre em salinas situadas na região do deserto do Atacama e áreas adjacentes. O processo de extração se inicia com a perfuração da crosta de sal e a posterior extração de salmoura, sendo então levada para piscinas de evaporação. Durante esse processo, a salmoura é exposta à evaporação por meses, criando uma lama salgada que contém uma mistura de vários elementos, incluindo manganês, potássio, bórax e sais de lítio.
Essa mistura é transferida para outra piscina de evaporação ao ar livre, onde, após um período de 12 a 18 meses, é destilada para extrair o carbonato de lítio, principal matéria-prima utilizada na fabricação de baterias de lítio-íon.
Essa grande concentração de lítio na América do Sul vem chamando a atenção dos Estados Unidos e da China. As duas potências vêm buscando obter metais estratégicos para a transição energética. Além disso, cada vez mais empresas chinesas estão avançando na América do Sul com grandes investimentos em mineração, impulsionando o crescimento dos países do “triangulo” no setor.
Nacionalização do lítio
Com o aumento significativo da demanda por lítio nos últimos anos, muitos países com reservas desse mineral estão adotando medidas para nacionalizar sua produção. Isso permite que esses países tenham maior controle sobre seus recursos e sobre a produção de lítio. Alguns países já iniciaram o processo de nacionalização da produção, incluindo Bolívia, Chile e México.
Bolívia: seu processo de nacionalização do lítio teve início em 2008, durante o governo do presidente Evo Morales. A medida fazia parte de uma política de recuperação dos recursos naturais do país. Já em 2017, o governo criou uma estatal especialmente dedicada ao setor, a YLB (Yacimientos de Lítio Bolivianos). Já em 2023, a YLB fechou um acordo com um consórcio de empresas chinesas para explorar, refinar e processar o lítio, além de produzir baterias a partir de 2025. A Bolívia é o país com os maiores recursos de lítio, no entanto, ainda não está entre os maiores produtores mundiais.
México: em abril de 2022, o Congresso mexicano aprovou uma reforma da lei de que declara o lítio como patrimônio nacional e proíbe novas concessões privadas para explorar o mineral. A reforma também estabelece que a exploração e o uso do lítio serão de exclusiva responsabilidade do Estado, por meio de uma empresa estatal. No entanto essas medidas geram incertezas sobre a possibilidade de o governo expropriar empresas que já operam no país.
Chile: o presidente do Chile, Gabriel Boric, anunciou recentemente um plano nacionalizar sua indústria de lítio. O plano prevê que o Estado se torne o principal agente do mercado nacional, por meio da empresa estatal Codelco. A empresa será responsável por todas as iniciativas para produção de lítio no país, por meio de parcerias público-privadas. Nos novos projetos de exploração, o governo deverá ser o operador majoritário, ou seja, ter mais de 50% da operação. Os contratos existentes com empresas privadas continuarão valendo até seus vencimentos, e as empresas poderão renová-los desde que incluam o Estado nos negócios.
A nacionalização do lítio envolve grandes desafios e riscos, tanto para os países produtores quanto para os consumidores de lítio. Um dos principais desafios é o alto custo de investimento necessário para desenvolver a cadeia produtiva do lítio, desde a extração até a fabricação de baterias e outros produtos. Nem sempre as empresas estatais criadas pelos países têm recursos suficientes para investir nesse setor. Além disso, a nacionalização do lítio pode gerar incertezas para as empresas privadas que já atuam nesses países, principalmente no Chile, que é o segundo maior produtor do mundo. Essas empresas podem enfrentar dificuldades para renovar suas concessões ou ter que pagar royalties mais altos ao Estado. A nacionalização também pode provocar uma reação negativa dos países consumidores, especialmente os que lideram a indústria de veículos elétricos, como China e Estados Unidos, o que pode acabar em uma busca por fontes alternativas de lítio em países como Brasil e Austrália, que ainda não têm planos para nacionalizar a produção de lítio.
PERSPECTIVAS FUTURAS PARA O LÍTIO
O aumento da demanda por veículos elétricos em todo o mundo deve continuar impulsionando o mercado de lítio nos próximos anos, e mais fabricantes buscam fontes confiáveis de matéria-prima para suas baterias. Outro fator importante para as perspectivas futuras é a crescente importância da energia renovável em todo o mundo.
À medida que a demanda por energias renováveis aumenta, espera-se que a demanda por baterias de lítio para armazenamento de energia também aumente, abrindo novas oportunidades para o mercado.
Diversos países estão investindo em subsídios para a transição energética, para viabilizar o desenvolvimento sustentável com o uso de energias renováveis. Além disso, estimativas do Banco Mundial apontam que a demanda por lítio poderá crescer em 965% até 2050, aumentando ainda mais as perspectivas e oportunidades para empresas e países que possuem grandes depósitos de lítio.
Quer saber mais sobre o lítio? Leia aqui o artigo feito pela DMT sobre as características deste importante elemento.
Fontes:
https://www.brasilmineral.com.br/noticias/sigma-lithium-inicia-producao-do-seu-litio-verde-em-mg
http://www.sgb.gov.br/litio/nomundo.html
https://diariodocomercio.com.br/economia/amg-investira-r-12-bi-em-planta-de-litio-em-minas-gerais/
https://repositorio.ipea.gov.br/bitstream/11058/10603/1/Radar_impacto_novas_tecnologias_litio.pdf
https://www.inthemine.com.br/site/cenarios-do-litio-no-brasil/
https://cblitio.com.br/mineracao/
https://pubs.usgs.gov/periodicals/mcs2023/mcs2023-lithium.pdf
https://minerabrasil.com.br/sigma-lithium-inicia-producao-mina-grota-do-cirilo/
https://diariodocomercio.com.br/economia/nacionalizacao-do-litio-no-chile-gera-incertezas/
Donizete Souza
Aluno do curso de Engenharia de Minas na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e atualmente exerço o cargo de estagiário na DMT.
donizete.pereira@dmt-group.com