Caso Bre-X e o filme Gold: A história por trás da maior fraude da mineração

Caso Bre-X e o filme Gold: A história por trás da maior fraude da mineração

O filme Gold, traduzido como Ouro e Cobiça, é uma produção de 2016 inspirada na história da mineradora Bre-X. O caso Bre-X é considerado a maior fraude na história da mineração, sendo o ponto de partida para a consolidação das condutas internacionais para a declaração de recursos e reservas minerais.

Uma ótima recomendação para quem gosta de mineração e cinema, Gold traz uma trama pautada na descoberta do maior depósito de ouro, em Busang, na Indonésia, em meados da década de 90. Em busca do Eldorado, a parceria entre o personagem Kenny Wells, interpretado por Matthew McConaughey, e Michael Acosta, interpretado por Édgar Ramírez, mostra o percurso em um campo de pesquisa mineral em busca de um depósito de ouro. Apesar de bem informativo e baseado numa história real, muitos aspectos adotados no filme são adaptados, de modo que nem todo enredo é verídico. Dessa forma, no texto de hoje, falaremos sobre a história do caso Bre-X, atrelado aos acontecimentos apresentados no filme.

 

Caso Bre-X e o Filme Gold

A história do caso Bre-X acontece em meados de 1990 quando uma companhia, até então desconhecida, Bre-X Minerals Ltda, sediada em Calgary, Canadá, inicia os trabalhos de exploração mineral na ilha de Borneo, em Busang. No filme, a história se passa no final dos anos 1980 e, por razões legais assim como para deixar o enredo mais interessante, a empresa é sediada em Reno, Nevada – EUA, com o nome Washoe Mining Inc., em homenagem ao condado de Washoe, localizada em Reno.

 

Localização do Depósito

A suposta descoberta de ouro ocorreu de fato em uma região remota da floresta de Busang, pertencente a ilha de Bornéu. A pesquisa foi realizada nesta região, tanto na vida real, como retratada na ficção.

Mapa da localização da suposta descoberta de ouro de Bre-X em Bornéu, Indonésia. Fonte: History vs Hollywood

Personagens: Inspiração ou vida real?

O personagem de Matthew McConaughey, Kenny Wells, foi inspirado no empresário canadense David Walsh, dono de uma empresa em falência, assim como retratado no filme. Já o personagem de Edgar Ramírez, Michael Acosta, é inspirado principalmente no geólogo filipino Michael de Guzman. No entanto, o personagem de Acosta é a composição de duas pessoas da vida real: Michael de Guzman e John Felderhof, geólogo holandês.

O geólogo John Felderhof que inspirou, em parte, o personagem Michael Acosta. Fonte: History vs Hollywood

Segundo a história real, Michael de Guzman era um geólogo que queria convencer o mundo da presença de ouro na ilha de Bornéu, compartilhando sua ideia com o geólogo John Felderhof. Para que o projeto tivesse credibilidade, eles precisavam de um investidor que não tivesse medo de riscos, e além disso, estivesse disposto a apostar no projeto de pesquisa. Assim, entra em cena o empresário David Walsh.

O geólogo David Walsh que inspirou o personagem Kenny Wells de Matthew McConaughey. Fonte: History vs Hollywood

Como resultado da negociação com Walsh, Guzman e Felderford conseguem o investimento inicial de 80 mil dólares, onde começam a retirada de amostras para testes. Após o preparo das amostras, mediante trituração, ocorreu o “salgamento” por parte de Guzman, antes que fossem mandadas para as análises dos laboratórios.

Michael de Guzman, em destaque, e à esquerda John Felderhof. Fonte: Calvary Herald.

Adulteração das amostras

Na ficção, a adulteração das amostras ocorreu por meio da adição de ouro aluvionar, comprado de garimpeiros da região. Na realidade, o procedimento foi similar, com o detalhe de que, inicialmente, o salgamento foi realizado com ouro retirado do anel de casamento de Guzman. Aliás, no decorrer do filme, a ideia de que Acosta fosse casado nem foi passada aos telespectadores. Há relatos de que Michael de Guzman tinha pelo menos quatro esposas em toda a Ásia, que apareceram após sua morte, em 1997.

A quantidade de ouro adicionada nas amostras foi realizada em certa proporção, de forma que não atraiu a atenção dos laboratórios. Assim, as amostras foram analisadas e os resultados foram positivos, fazendo com que as humildes ações da empresa estourassem na Bolsa de Alberta, da Austrália.

 

Bolsa de Valores

Os resultados divulgados permitiram que o valor das ações da empresa fossem aumentando cada vez mais. Assim, de 1996 até 1997, a estimativa de recursos do depósito passou de 39 milhões de onças para 71 milhões de onças de ouro. Como as análises comprovavam essas declarações, os investidores se sentiam seguros e as ações atingiram altos valores.

 

A derrocada da bolsa e a descoberta da fraude

Em março de 1997, a fraude foi descoberta quando a Freeport MacMoRan, que possuía 15% do depósito, enviou uma equipe técnica para investigação por meio de uma Due Diligence. A Due Diligence é um processo que envolve o estudo, a análise e a avaliação detalhada de informações. Dessa forma, foram conduzidos testes nos testemunhos de sondagem, encontrando quantidades insignificantes de ouro.

Em 26 de março de 1997, a maior fraude de ouro foi exposta, levando a falência da empresa e a perda do valor de suas ações na bolsa. Estima-se que o escândalo custou aos investidores cerca de 3 bilhões de dólares.

 

Especulações do Caso Bre-X

A história, tanto do filme como a noticiada, traz algumas especulações acerca dos fatos. A maior especulação é quanto a morte de Guzman. Após a auditoria da Freeport, as suspeitas geradas quanto aos teores das amostras, fizeram com que uma reunião com Guzman fosse solicitada.  Assim, ele foi conduzido por um helicóptero do governo da Indonésia, onde desapareceu.

Segundo as notícias acerca do seu desaparecimento, acredita-se que ele pulou do helicóptero, que tinha apenas o piloto. No filme, ele foi levado pelo exército do país, de onde desapareceu, deixando a interpretação a cargo do espectador, se a sua fuga foi facilitada ou se ele foi jogado do helicóptero.  De um modo geral, concluiu-se que ele saltou do helicóptero e morreu, pois dias depois, o corpo do Guzman foi encontrado em estado decomposto, e em sua maior parte, comido por animais, dificultando o reconhecimento. O que de fato aconteceu é um mistério.

 

Guzman está vivo?

Especula-se que Guzman ainda está vivo em algum lugar do mundo. Em 2005, uma das esposas de Guzman declara em entrevista a The Strait Times da Malásia, que recebeu uma ordem de pagamento de 25 mil dólares em nome dele vinda de uma agência do Citibank no Brasil, reforçando ainda mais essa especulação. Guzman pode estar vivendo em anonimato em qualquer lugar do mundo com o dinheiro que recebeu pela venda de ações, antes do escândalo.

 

Fraude arquitetada?

Outra especulação abordada no filme é quanto ao conhecimento da fraude por parte de Kenny Wells, que negou ter ciência da fraude. ALERTA DE SPOILER! Ele recebe um cheque de 82 milhões de dólares após o acontecimento dos eventos supracitados. Além disso, uma interpretação desse fato é que Acosta queria mostrar o quanto valorizava a sua amizade com Kenny.

Na realidade, Walsh negou saber sobre a fraude e mudou-se para as Bahamas, onde morreu dois anos depois de ataque cardíaco. John Felderhof, que não é retratado no filme, foi o único responsabilizado, mas, no entanto, foi absolvido. Ele viveu nas Ilhas Cayman, até a sua morte em 2019.

A especulação de que a fraude foi um plano arquitetado por Walsh, Felderhof e Guzman se baseou na venda de 100 milhões de ações por eles, antes do escândalo vir à tona.

 

Genialidade ou tolice?

Matthew McConaughey e Edgar Ramirez no filme Gold – Ouro e Cobiça. Fonte: Revista Cine TV

O filme nos deixa um questionamento sobre Kenny Wells. Ele foi um tolo ou um gênio?  Após a descoberta da fraude, o geólogo não foi responsabilizado pelo ocorrido, negando qualquer envolvimento no esquema de manipulação dos resultados.

A dúvida está em que posição Wells estava: um tolo de ter sido enganado, que apostou todas as suas fichas nessa descoberta impressionante, ou um gênio por ter participado, tramado toda a fraude e ter saído ileso.  A interpretação dos acontecimentos fica a cargo de cada um, seja pelo filme ou pelas investigações realizadas sobre o caso.

 

Códigos Internacionais

O Caso Bre-X mudou os rumos das declarações de recursos e reservas na mineração. Pode ser tido como exemplo da falta de controle na amostragem e QA/QC de um empreendimento, gerando, consequentemente, a adequação dos códigos de forma a evitar fraudes como do caso Bre-X, caso Poseidon (Níquel, década 70, Austrália), entre outros.

O QA/QC significa Quality Assurance and Quality Control, em outras palavras, Controle e Garantia de Qualidade. Dessa forma, pode ser aplicado em diversas etapas na pesquisa mineral e exploração mineral, como na amostragem, análises químicas, banco de dados, modelagem geológica e na estimativa de recursos e reservas.

Os códigos JORC, CRIRSCO, entre outros, assim como o novo Guia da CBRR no Brasil, foram a evolução das boas práticas em consonância com as regras governamentais de cada país e seus mercados financeiros. O estabelecimento de normas para a apresentação de recursos e reservas, assim como a necessidade de ser executada por profissionais competentes, qualificados e certificados em comunidades geocientíficas internacionais reconhecidas, é uma exigência que visa evitar a ocorrência de novas fraudes.

E você que já assistiu ao filme, tem mais alguma percepção? Compartilha com a gente!

Gostou do texto? Confira outros textos no blog. Conheça nossos serviços e veja como podemos ajudar você e sua empresa.

 

Referências: