Os impactos da atuação criminosa dos garimpos ilegais em terras indígenas

Os impactos da atuação criminosa dos garimpos ilegais em terras indígenas

A crise humanitária enfrentada pelos Yanomami vem recebendo ampla atenção recentemente, graças às denúncias feitas pelos seus líderes sobre as invasões e crimes cometidos pelos garimpos ilegais na região.

Embora os Yanomami já tenham passado por crises, principalmente com a intensificação do contato com os não indígenas e a primeira grande onda garimpeira, nos anos 1970 e 1980, profissionais de saúde e lideranças indígenas afirmam que a situação nunca foi tão grave.

 

Crise Yanomami

Os Yanomami são uma tribo indígena da Amazônia com aproximadamente 35 mil indígenas, vivendo em aproximadamente 250 aldeias na floresta amazônica, na divisa entre Venezuela e Brasil. Eles são conhecidos por sua cultura rica e tradições, incluindo cerimônias xamânicas, agricultura e uso de plantas medicinais.

Crianças Yanomami. Foto: Andressa Anholete

Atualmente a população Yanomami é ameaçada por garimpeiros que invadiram sua região em busca de ouro. Estima-se que cerca de 20 mil pessoas estejam envolvidas nesta atividade ilegal.

Em 2020, o garimpo ilegal avançou 30% nas Terras Yanomami, o que aumentou a violência e disputa territorial, com armas, assassinatos e incêndios de aldeias. Em 25 de abril do mesmo ano, uma grave denúncia de estupro e morte de uma menina Yanomami de 12 anos por garimpeiros provocou uma onda de solidariedade nacional.

Paralelo à invasão dos garimpeiros, a população Yanomami enfrenta um problema persistente de desnutrição infantil há décadas. Um estudo realizado pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF) em colaboração com a Fiocruz, divulgado em maio de 2020, apontou que 80% das crianças com menos de 5 anos, nas regiões de Auaris e Maturacá, sofrem de desnutrição crônica. Além disso, segundo o relatório “Missão Yanomami” do Ministério da Saúde, a taxa de mortalidade infantil entre bebês Yanomami com menos de 1 ano atingiu 114,3 a cada mil nascimentos em 2020. Os dados mostram que a taxa é maior do que a registrada em Serra Leoa (África), país com o maior índice de mortalidade infantil no mundo, segundo a ONU.

Menina Yanomami protege irmã. Fonte: Fantástico/Rede Globo

A crise sanitária já matou 570 crianças de 2019 a 2022, 29% a mais do que nos quatro anos anteriores. Muitas crianças e adultos já estão apresentando sintomas de intoxicação por mercúrio.

Um estudo realizado pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), em 2019, na população indígena Yanomami, constatou a presença de mercúrio em 56% das mulheres e crianças da região de Maturacá, localizada no estado do Amazonas. Às vezes a contaminação passa de mãe para filho.

A transmissão de doenças tem sido devastadora para a população indígena. A falta de acesso à assistência de saúde adequada e a desnutrição estão diretamente ligadas ao garimpo ilegal, pois o beneficiamento do minério utilizando o mercúrio contamina a população e os rios, matando animais que são fonte de alimento para os indígenas, além disso a presença dos garimpeiros aumentam a transmissão da COVID-19 e outras doenças.

Segundo o Presidente do Conselho Distrital de Saúde Indígena Yanomami e Yek’wana, os criminosos assumiram o controle de polos de saúde e pistas de pouso, impedindo a chegada de profissionais da saúde que precisam se deslocar por avião para atender a população espalhada pelas aldeias isoladas na floresta.

Outro fato recorrente envolve a exploração dos Yanomamis por parte de grupos criminosos que trazem armas e se envolvem em conflitos violentos, resultando em uma série de violações dos direitos humanos, incluindo trabalho forçado, abuso sexual e até mesmo assassinato.

Os povos originários do Brasil têm diversos direitos garantidos pela constituição de 1988. Alguns dos seus direitos são: direito à terra, direito à diferença, direito à saúde, direito à educação, direito à igualdade, direito processual e direito à proteção. Entretanto, esses direitos não estão sendo respeitados nos últimos anos.

 

Ações do Governo

No dia 30 de janeiro de 2023, o Governo Federal anunciou medidas para combater o garimpo ilegal nas terras Yanomami. Entre as prioridades estão a assistência nutricional e de saúde, a segurança para equipes de saúde, o acesso à água potável e a medição da contaminação por mercúrio. O Estado Brasileiro concedeu poderes às Forças Armadas, ao Ministério da Defesa e da Saúde para tomar as medidas necessárias para acabar com o garimpo ilegal.

Aldeia Yanomami. Fonte: Christian Braga/Isa

O Ministério Público Federal e o Governo Federal iniciaram uma série de investigações sobre uma denúncia de que 30 meninas Yanomami engravidaram de garimpeiros nas Terras Yanomami. A informação foi fornecida pelo Ministro de Direitos Humanos e Cidadania, Silvio Almeida.

A Força Aérea Brasileira (FAB) entrou em ação e tomou medidas para controlar o espaço aéreo na Terra Indígena Yanomami e retirar os garimpeiros ilegais do território, o que levou a uma mobilização dos invasores.

Garimpeiros tentando sair das terras Yanomami — Fonte: www.metropoles.com

Alguns garimpeiros estão tentando fugir para a Venezuela ou Guiana, e enfrentam altos preços para voos clandestinos de helicóptero. A região de Auaris, próxima à fronteira, é uma das mais afetadas pela crise de saúde, incluindo casos graves de malária e desnutrição.

 

Quais as diferenças entre o garimpo e a mineração?

O garimpo é uma forma de extração de riquezas minerais que geralmente envolve baixo investimento, equipamentos simples e tecnologia limitada. Embora seja autorizado pela Constituição Federal do Brasil, há uma grande preocupação com o elevado número de garimpos ilegais, que não seguem as normas estabelecidas pela legislação brasileira.

Fonte: https://diariodocomercio.com.br

A mineração é outra atividade econômica que também envolve a extração de recursos minerais, mas apresenta diferenças significativas em relação ao garimpo. As principais diferenças são:

  • Escala: A mineração é uma atividade em larga escala, normalmente realizada por médias/grandes empresas com muitos recursos e tecnologia. Já o garimpo é uma atividade informal geralmente realizada por pequenos grupos de pessoas ou cooperativas com recursos limitados.
  • Métodos de extração: A mineração normalmente utiliza técnicas avançadas e tecnologia sofisticada, como perfuração e processamento de minérios. Entretanto, os garimpos modernos vão muito além da imagem romântica do garimpeiro que, com sua bateia, busca pepitas de ouro nas margens de um rio. Na realidade, a atividade de garimpo, principalmente na Amazônia, está cada vez mais sofisticada e complexa, com uma estrutura organizacional bem definida e investimentos significativos em maquinário.
  • Impacto ambiental: A mineração em larga escala pode ter um impacto significativo no meio ambiente. Entretanto, a legislação impõe diversas ações para mitigar os impactos da exploração de recursos, como o monitoramento geológico, monitoramento das águas, dos ruídos, da qualidade do ar, além de diversas outras ações para minimizar o impacto ambiental. O garimpo também tem um impacto ambiental significativo no meio ambiente, mas desde que seja realizado respeitando o estatuto do garimpeiro e o Decreto-Lei n° 227, os impactos podem ser diminuídos. Entretanto, se o garimpo é realizado de forma ilegal, os danos são extremos, tanto para as comunidades locais, quanto para a fauna e flora.

 

O Garimpo ilegal

O garimpo em terras indígenas demarcadas é, por princípio, uma atividade ilegal. Portanto, tem implicações legais, pois segundo a Lei Ambiental Brasileira, a extração ilegal de recursos minerais é tipificada como crime na Lei n.º 9605/98:

Art. 55. Executar pesquisa de lavra ou extração de recursos minerais sem a competente autorização, permissão, concessão ou licença, ou em desacordo com a obtida, com pena de detenção, de seis meses a um ano, e multa.”

Foto: Marizilda Cruppe/Amazônia Real/Amazon Watch

O garimpo irregular também está previsto como delito de usurpação do patrimônio público previsto no art. 2º da Lei n.º 8.176/91.

Art. 2º. Constitui crime contra o patrimônio, na modalidade de usurpação, produzir bens ou explorar matéria-prima pertencente à União, sem autorização legal ou em desacordo com as obrigações impostas pelo título autorizativo.”

Os garimpos ilegais são frequentemente operados por organizações criminosas altamente organizadas, com coordenação, hierarquia e muitos investimentos. Os garimpeiros que trabalham nessas atividades recebem apenas uma pequena porcentagem do valor extraído, enquanto a organização criminosa recebe a maior parte do lucro. Além disso, as atividades ilícitas não se limitam apenas ao garimpo ilegal em si. Muitas dessas organizações também estão envolvidas em outras atividades ilegais, como tráfico de drogas, desmatamento ilegal, trabalho escravo e assassinatos.

 

Fiscalização

No Brasil, tanto a permissão da lavra garimpeira quanto a fiscalização, são atribuições da agência Nacional de Mineração (ANM). No entanto, a ANM realiza operações conjuntas com o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA), o Instituto Chico Mendes e a Polícia Federal. Os órgãos citam a grande extensão territorial brasileira como um dos empecilhos e desafios para uma fiscalização eficaz.

Assim como em todas as áreas, a ausência de fiscalização nos garimpos pode levar a diversos crimes, dentre eles:

  • Invasão de terras públicas ou particulares sem autorização;
  • Exploração ilegal de recursos minerais;
  • Destruição de áreas protegidas;
  • Trabalho escravo e/ou condições insalubres de trabalho;
  • Desrespeito às normas de segurança no trabalho;
  • Comércio ilegal de minérios;
  • Fraude fiscal;
  • Lavagem de dinheiro;
  • Ameaças e violência contra trabalhadores, moradores locais e autoridades;

A fiscalização dos garimpos é indispensável para garantir que as atividades sejam executadas conforme o estatuto do garimpeiro e a legislação ambiental e trabalhista, evitando danos ao meio ambiente e assegurando que os trabalhadores continuem exercendo suas atividades em condições adequadas e seguras.

 

Quem financia os garimpos ilegais?

Embora seja difícil identificar exatamente quem patrocina essas operações, há algumas fontes comuns de financiamento que incluem investidores individuais, grupos criminosos, comerciantes de minerais e grupos políticos.

Investidores individuais podem ser atraídos para o garimpo ilegal devido ao lucro rápido, apesar dos riscos envolvidos. Grupos criminosos também podem ver o garimpo ilegal como uma oportunidade de lucro fácil, controlando ou financiando operações de extração de minerais ilegais para vender os minerais no mercado clandestino. Alguns comerciantes de minerais financiam garimpos ilegais para obter minerais a baixo custo e aumentar suas margens de lucro.

Vale ressaltar que nem todo garimpo é crime, e nem todo garimpeiro é criminoso. Na realidade, assim como a mineração, a atividade garimpeira é de suma importância para a economia do país, desde que seja feita de forma correta e não ultrapasse as leis minerais e ambientais. É inadmissível, portanto, que a atividade garimpeira transpasse os limites legais, infringindo a proteção das terras indígenas e atacando os direitos e cultura dos povos nativos.

 

Fontes bibliográficas:

Povo Yanomami. Instituto Socioambiental. Disponível em: https://pib.socioambiental.org/pt/Povo:Yanomami.

Making Mercury History in the Artisanal and Small-Scale Gold Mining Sector. The Global Environment Facility. Disponível em: https://www.thegef.org/news/making-mercury-history-artisanal-small-scale-gold-mining-sector.

Governo federal diz que apura denúncia de 30 adolescentes grávidas de garimpeiros em território Yanomami. G1 Globo. Disponível em: https://g1.globo.com/rr/roraima/noticia/2023/02/03/governo-federal-diz-que-apura-denuncia-de-30-adolescentes-gravidas-de-garimpeiros-em-territorio-yanomami.ghtml.

Yanomamis denunciam assassinatos de indígenas por garimpeiros. Estadão. Disponível em: https://www.estadao.com.br/brasil/yanomamis-denunciam-assassinatos-de-indigenas-por-garimpeiros/.

Flavia Pinto: garimpo ilegal é pauta entre ficção e realidade. Conjur. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2021-mai-27/flavia-pinto-garimpo-ilegal-pauta-ficcao-realidade.

Garimpo ilegal: qual a situação brasileira. Politize.com. Disponível em: https://www.politize.com.br/garimpo-ilegal.

Lei n.º 11.685, de 2 de junho de 2008. Planalto. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2008/lei/l11685.html.

Falta uma lei moderna e sustentável para o garimpo no Brasil. Observatório Eco Direito Ambiental. Disponível em: https://observatorioeco.jusbrasil.com.br/noticias/100306408/falta-uma-lei-moderna-e-sustentavel-para-ogarimpo-no-brasil.

O mercúrio é um metal tóxico usado na mineração. BBC. Disponível em:

https://www.bbc.com/portuguese/articles/c7246ee619qo#:~:text=O%20merc%C3%BArio%20%C3%A9%20um%20Metal,Nacional%20de%20Minera%C3%A7%C3%A3o%20(ANM).

G1. “Com espaço aéreo fechado, garimpeiros não conseguem voos clandestinos para sair da terra Yanomami”. Disponível em: https://g1.globo.com/rr/roraima/noticia/2023/02/05/com-espaco-aereo-fechado-garimpeiros-nao-conseguem-voos-clandestinos-para-sair-da-terra-yanomami.ghtml.

Repórter Brasil. “Quem está por trás do lobby pelo garimpo ilegal de ouro nas terras dos Munduruku”. Disponível em: https://reporterbrasil.org.br/2021/07/quem-esta-por-tras-do-lobby-pelo-garimpo-ilegal-de-ouro-nas-terras-dos-munduruku/.

G1. “Ministério da Defesa e Polícia Federal falam sobre operação para retirar garimpeiros da Terra Yanomami”. Disponível em: https://g1.globo.com/rr/roraima/noticia/2023/02/08/ministerio-da-defesa-e-policia-federal-falam-sobre-operacao-para-retirar-garimpeiros-da-terra-yanomami.ghtml.

Madeiro, Carlos. “Mortalidade infantil Yanomami é maior do mundo”. Notícias UOL. Disponível em: https://noticias.uol.com.br/colunas/carlos-madeiro/2023/02/09/mortalidade-infantil-yanomami-maior-do-mundo.htm.

Donizete Souza

Aluno do curso de Engenharia de Minas na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e atualmente exerço o cargo de estagiário na Saga Consultoria.

donizetesouza@sagaconsultoria.com